quarta-feira, 21 de julho de 2010

Orgasmo da alma em 28 dias

Dia 1 – Rute masturba o cérebro emocional

Um dia de sol, sem sal, de Outono, vermelhos vivo fogo, amarelos terra, pintalgando uma aragem cinzenta fria vinda de alguém. Rute decidiu cortar os cabelos púbicos.

Sentia uma irritação desde o estômago até ao palato. Uma espécie de pele dançante, nervosamente dançante. Como se as células do seu tubo digestivo se encontrassem numa entropia desesperada.
Ao fundo da garganta a cabeça do monstro. Lilás. Ele espreitava com os seus olhinhos pequeninos, um nariz pequenino. Sempre de boca aberta…chorava ou ria, Rute não sabia, mas ele clamava por algo. As orelhas do monstrinho eram muito aguçadas e giras para disfarçar a fealdade e o comprimento do corpo, de uma viscosidade roedora, que insistia em penetra-la…interminavelmente…desde o fundo da garganta até se espalhar na sua barriga.
O corpo do bicho estreitava-se depois, perfurava-lhe o intestino ao contrário, mudava de cor e estendia-se até aos ovários. Contornava-os, apertava-os e, mais tarde apoderava-se…filho da puta…de toda a sua vagina. Mudava para cores vivas, tons de amarelo e vermelho, como as folhas do Outono….incansavelmente vibrante.

Rute achou que os pentelhos grandes, em desalinho, como as labaredas de uma fogueira se não fossem tão pretos….provocavam o animal.

Inexplicavelmente, para Rute, o bicho deixava de ser amorfo e viscoso quando se estendia e abandonava o seu corpo. Brandia, então, uma cauda semelhante a um fio eléctrico, tricolor (castanho, verde e amarelo). Vista de fora, Rute tinha um pénis que a ligava ao centro da terra…um pénis tricolor, fininho, duro e frouxo.

Quem estaria a copular o centro energia da terra? Rute não tinha a certeza…seria ela ou o animal imaginado vivo dentro de si? Os sucos do amor, na sua púbis, seriam secreções do seu cérebro ou condensação tímida provocada pela energia circulante no fio eléctrico do animal?

Definitivamente, Rute desfez-se do bigode fogueira preto.
Rapou-se ela própria…à gillette…e sem creme de barbear.

A cada micro movimento, a cada pêlo, Rute deslizava extensa mas delicadamente a lâmina no cérebro. Não podia magoar-se. Toda a sua massa cinzenta devia permanecer intacta…só com essas riscas cinzentas que se vêem nas representações. Riscas vermelhas de sangue no cérebro? Não!

Rute foi executando o exorcismo do animal de forma muito suave. Descascou em micro camadas, a cada movimento da sua lâmina, toda a massa encefálica…sem a destruir, tornando-a simplesmente transparente. Conseguiu, assim, ver uma bolinha branca bem lá no seio do seu pensamento.
A bolinha branca era linda.
A cona de Rute estava já repleta de golpes, feridas sub e supra cutâneas.

A bolinha irradiava cada vez mais luz e começou a crescer muito…e, a cada pêlo, mais bonita ficava.

Por encantamento o animal começou a brincar com a bolinha com uma alegria tão alegria!
Misturaram-se.
Primeiro a cabeça roxa de olhos pequeninos e nariz pequenino, de orelhas giras e aguçadas, fundiu-se com a bolinha branca.
Que belo!
O branco roxo lilás desordenado em labaredas de gozo.
A bolinha branca foi chupando o animal desde a cabeça até ao plexo solar de Rute. E o animalzinho, extasiado, foi envolvendo a bolinha com uma doçura melada. Com tanto açúcar a bolinha branca lilás de gozo belo desordenado incandesceu dominando o ser de Rute Bigode Fogueira Preto Rapado.

Rute não tinha mais pêlos. Colocou uma mão sobre a vagina folhas de Outono e a outra sobre o seio do coração…sem tocar-se.

O seu cérebro continuou transparente e permissivo.
A bolinha bicho tomou o ser e o corpo de Rute divina, golpes na cona, agora ainda mais linda. Branca, lilás, vermelho vivo e amarelo terra. Um tornado de cor prazer, um clarão divino numa só Rute rapada.

Imóvel pediu à terra que a fodesse agora a ela. Rute recolheu no seu sexo o fio eléctrico tricolor (castanho, verde e amarelo) … desde o centro da terra, todo o animal foi consumido em si.
Rute luz divina, mulher inteira.


Dia 2 – Rute travestida

Macerada.
Rute, ontem mulher inteira, obrigava-se a caminhar de pernas ligeiramente abertas. Nessa manhã foi-lhe insuportável vestir umas cuecas. Optou por uma saia xadrez, de lã, até ao joelho….amarrotada.

“Comme d´ habitude” saiu para passear junto ao rio, não importa qual nem em que ponto até ao mar.
Podia sentir a neblina e os seus golpes na neblina. Teve por momentos a sensação que conseguia aquecer tudo em seu redor. Conseguia sentir e perceber os cinco sentidos da terra, as árvores enormes e os pequenos arbustos, os odores do rio tão confusos e mesmo a ponte romana humana.

Rute quis fazer parte daquele rio, quis ser misturada nos odores e nas cores e em tudo.
Mijou como se contribuísse para a humanidade e para fazer parte dela. Mijou com a convicção de que aquele rio levaria uma parte de si a todas as moléculas que conseguia perscrutar em seu redor…e mais longe.

Agachar-se doía-lhe e tinha receio dos beijos húmidos e frios da terra. Decidiu faze-lo de pé. Travestida.
Segurou a parte da frente da saia entre os dentes, eriçou as ancas, apertou bem as nádegas e projectou todo o seu aparelho reprodutor para fora.
“Será que os homens pensam que o seu aparelho reprodutor se resume ao pénis?”- perguntou-se.

Rute arrastou com a sua uretra os lábios maiores e os menores, toda a mucosa vaginal, os ovários …terminando o seu enorme pau invertido nas Trompas de Falópio. Era como se fosse um caralho com duas antenas depositando um óvulo, na sua máxima fertilidade, num rio mulher.

Apeteceu-lhe perceber e sentir a completa irrelevância da forma.
Permaneceu com a saia xadrez entre os dentes, sem qualquer raiva. Apertou o seu dorso, as bochechas, até sentir-se um tronco vivo desde a planta dos pés até à folhagem sobre a cabeça. Projectou para a frente o seu novo sexo inventado…penetrando no leito do rio.

Concentrou-se sobre a corrente, sobre todas as partículas que transportava consigo, pequenos detritos, areias de vida, outros sabores, emoções, socalcos na memória e…calor.
Felatio de sentido único…Cruel por não ser puro…Sublime por provocar em Rute Tronco Membro Trompas de Falópio uma ondulação superiormente feliz e a sintonia com o Todo.

Sentiu-se observada…o pudor congelou o orgasmo…continuou caminhando com a leveza do seu ser… a cada dia mais nu.

No pequeno café, onde normalmente desfrutava o seu “croissant” com queijo e o primeiro café do dia, conseguiu cruzar as pernas e enojar-se por pensar em homens.
Os homens que comeu e digeriu sem gosto. Os homens que deixaram memória zero nas suas papilas gustativas. Os homens que nem com uma caloria alimentaram a sua bolinha branca.


Dia 3 – Hambúrguer à Rute

Os dias de Rute podiam desfiar-se numa corrente de elos muito parecidos. Trabalhava no pequeno “shopping” da vila, das 10 as 19. Aviava hambúrgueres como quem fode sem sentido e não gosta do cheiro.

Entretinha-se a observar as pessoas por dentro. Os detalhes exteriores proporcionavam algumas informações, que ela sabia de carácter ilusório, servindo de base de apoio para a sua prospecção secreta dos outros. Entre o tacto da carne moída, o vapor pegajoso da gordura queimada e dois gritos sibilantes da gaja anafada que fazia a caixa, Rute pousava os olhos na luz que conseguia perscrutar no interior dos passantes. Frustrava-se com a amálgama de chamas roxas, muito parecidas, quase mortas, quase não eram luz. Dos seus olhos negros, pequeninos redondos, emitia raios de curiosidade que, de uma força superior, desafiavam os limites do corpo sobre a alma. Amiúde procurava o cruzamento do olhar, com homem ou mulher, tentando através do humor vítreo observar mais fundo, mais nítido. Sem resultados práticos, não encontrando almas sublimes, luzes diferentes, Rute desesperava na vontade de encontrar um ser vibrante e de uma cor quente. Já pouco lhe importava a afinidade suprema, a alma gémea em si e no outro, o seu objectivo começava a resumir-se ao simples encontro com a singularidade do ser. Bastava um.

Mais um hambúrguer, mais um pacotinho de batatas fritas, mais um berro da anafada e menos um dia. A dúvida sobre si própria estava longe de ser desfeita. Era ela diferente, por dentro, aos olhos dos outros? Bastava sentir-se única para o ser e ser sentida assim? Estaria em si própria o bloqueio á heterogeneidade da alma?

De que carne picada era ela feita?
Sempre voltava ao corpo. Ruminava em si esta persistente necessidade de fustigar-se para aliviar o desespero. O desespero de cadência mortífera dos dias iguais, o desespero da falta de amor…

Correr.
Correr sem relógio, correr sem trajecto predefinido, correr para fustigar-se, correr para parar o pensamento.
Rute gostava de correr com o seu próprio cheiro, criar em si o cheiro intenso da sua libertação e dormir com ele na cama ou no sofá.
Regressada a casa com um fastio a hambúrguer entranhado na pele, lavava-se longamente. Saboreava o correr da água pelo seu corpo, seguia os seus movimentos com gestos bonitos, parava um pouco nos mamilos fechando as pálpebras. Finalmente, evitava masturbar-se àquela hora.
Vestia um fato de treino elegante, leve, e gostava de arranjar o cabelo para ir correr. Era bom sentir os olhares de desejo, os olhares de ternura, de todos os que assistiam à sua corrida libertadora…e queria estar linda para isso. Nádegas magras, cintura estreita e, talvez por parar o pensamento, com um sorriso lindo no rosto.

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